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Rádio Eclesia

03/11 Comentários Homiléticos 31º DOMINGO COMUM – TODOS OS SANTOS
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1ª LEITURA – Ap 7,2-4.9-14

Nosso texto pertence à última parte da seção dos selos que ocupa os capítulos 6 e 7. O capítulo 7 é um clarão de força salvadora de Deus, uma injeção de ânimo para a caminhada. Diante da situação calamitosa da humanidade (6,1-8 = abertura dos quatro primeiros selos) e do grito dos mártires (6,9-12 = abertura do quinto selo). Deus intervém para julgar os ímpios (6,13-17) com a abertura do sexto selo. O capítulo sétimo é uma pausa onde o autor apresenta a salvação dos justos, dos eleitos de Deus. A pergunta de 6,17: “quem poderá ficar em pé?” encontra no capítulo sétimo sua resposta. A salvação é impossível ao homem, mas para Deus nada é impossível.

1º Momento: uma referência ao passado, 7,1-8

O autor tem presente o recenseamento dos hebreus no deserto (Nm 1,20-43). O v. 1 mostra a proteção de Deus. A marca na fronte indica a salvação. Os marcados são 144 mil. Este número não pode ser interpretado ao pé da letra. Ele é simbólico. Ele aponta para a totalidade de 12 (12x12x1000=144.000), todo o povo de Deus do Primeiro Testamento – 12 tribos como também todo o povo do Segundo Testamento – 12 apóstolos. O no 12 é símbolo da totalidade. O número 1000 simboliza um grande número. Aqui temos totalidade vezes totalidade, vezes uma grande multidão. Este número pode indicar a largura da misericórdia divina, salvando a totalidade dos eleitos.

2º Momento: uma referência ao presente/futuro da comunidade cristã – vv. 9-17

O v. 9 esclarece que o no 144 mil é um número simbólico e não apenas o resultado exato de uma multiplicação. As seitas fundamentalistas que acham que apenas 144 mil serão salvos caem no ridículo diante do v. 9. O número dos que serão salvos será incontável. Expressões que se referem à salvação aparecem aqui com fartura. “De pé” (= não serão julgados; é sinal salvífico); “Vestes brancas” (simbolizam a vitória, a salvação). “Palmas nas mãos” (= vitória). Todos reconhecem que a salvação vem de Deus através da cruz de Cristo – o Cordeiro. Os versos 10 e 11 traduzem a adoração e o louvor de todos os que foram salvos, juntamente com todos os anjos, com os 24 anciãos (podem ser os representantes do povo santo do Primeiro e do Segundo Testamento: 12 tribos + 12 apóstolos, e os 4 seres vivos (símbolo do que há de mais perfeito na criação em força e ciência). Os vv. 13 e 14 desvendam o mistério sobre “os que estão trajados com vestes brancas”. “São os que vêm da grande tribulação = lavaram suas vestes e alvejaram-nas com o sangue do Cordeiro”. “O sangue simboliza a eficácia da morte de Jesus”. O povo das comunidades pode assim descobrir seus mártires e santos, que derramaram seu sangue por Jesus, na resistência contra o mal representado pelo Império romano perseguidor. O Apocalipse é assim uma injeção de ânimo para que os cristãos de todos os tempos lutem até o fim para não deixarem que o bem – o projeto de Deus – seja abocanhado pelo antiprojeto, o mal, encarnado nas injustiças e perseguições de pessoas e instituições.

2ª LEITURA – 1Jo 3,1-3

Vamos analisar este trecho da carta de João à luz da 6a e 7a bem-aventuranças: “Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus” (cf. 1Jo 3,3); bem-aventurados os que promovem a paz “porque serão chamados filhos de Deus” (cf. 1Jo 3,1-2). Em 1 Jo 2,29 (“Se sabeis que ele é justo, reconhecei que todo aquele que pratica a justiça nasceu dele”) podemos ver o eco de Mt 5,6 e 10,4 e as 8 bem- aventuranças.

Como pano de fundo da 1a carta de João, lembramos a crise da comunidade provocada pelos dissidentes carismáticos que achavam que a salvação não estava na prática da justiça à imitação de Jesus, que deu a vida por nós, mas num conhecimento religioso especial e pessoal. Negavam Jesus como Messias, achavam- se livres do pecado, iluminados por Deus e se gloriavam de conhecer e amar a Deus, mas sem dar importância ao amor ao próximo. Por isso o autor se preocupa com algumas afirmações básicas como a purificação através do sangue de Jesus. (cf. 1,7-9), a consciência de sermos pecadores (cf. 1,8;2,2); a importância de guardarmos os mandamentos e andarmos como Jesus andou (cf. 2,4-6); a importância de confessar o Filho e não negar que Jesus é o Cristo-Messias (cf. 2,22-23; 5,1); a importância do amor ao próximo (cf. 3,11.14.23; 4,7ss); etc.

O texto de hoje pertence à seção cujo tema é: “viver como filhos de Deus” (cf. 2,29-4,6). Aqui já temos a afirmação da prática da pertença como combate do autor ao espiritualismo vazio dos carismáticos. Praticando a justiça nascemos de Deus e assim podemos ver a maior prova de amor que o Pai nos deu: “sermos chamados de filhos de Deus e o sermos de fato”. Para Jesus na 7a bem-aventurança (cf. Mt 5,9), isto é, concedido aos que promovem a paz. Uma paz verdadeira é bem estar que exclui injustiça e opressão. Supõe, portanto, a fé traduzida em obras, uma fé no único Pai de todos que nos ama através do amor do Filho que vivendo e morrendo por nós, nos concedeu a graça da filiação divina. Somos, portanto, todos irmãos com a obrigação do amor mútuo. Mas nós estamos no mundo, que desconhece a Deus, desconhece seu Filho e, portanto, também não nos conhece. O mundo cultiva o ódio e nos impede de ver a Deus. O mundo, portanto, na sua impureza obscurece a nossa visão e dificulta o nosso ser cristão. Na verdade a nossa realidade de filhos está escondida em Cristo (cf. Cl 3,3-4). Quando Cristo se manifestar também a nossa realidade de filhos se manifestará, e aí seremos semelhantes a ele, pois o veremos tal como ele é. A 6a bem-aventurança afirma que os puros de coração verão a Deus. Ser puro de coração é ter uma conduta pautada na justiça e no amor. Aqui, no último versículo, está afirmado que nós nos purificamos a nós mesmos na força da esperança de vermos a Deus tal como ele é.

Sintetizando, para vivermos a realidade de filhos, ou seja, vermos a Deus, ou partilharmos de sua vida, precisamos de uma fé sólida, uma esperança firme e um amor profundo aos irmãos.

EVANGELHO – Mt 5,1-12a

Estamos no início do grande “Sermão da Montanha” (Mt 5-7). Para quem Jesus fala? Para multidões numerosas vindas de vários lugares (cf. 4,25). E essas multidões são compostas de gente simples, pobres, aflitos, perseguidos, famintos. Jesus sobe a montanha e se assenta. A montanha lembra o Sinai, onde Deus tinha feito, através de Moisés, aliança com seu povo. Assentado Jesus assume o papel de Mestre e legislador da Nova Aliança, numa aproximação muito grande com seus discípulos. No Sinai a distância era enorme entre Deus e o povo. Além disso, sua presença assustava. Aqui o clima é de total confiança e aproximação. Inclusive, aqui, não há leis, há sim propostas de felicidade. Jesus que é “o caminho, a verdade e a vida” propõe um caminhar tranquilo em direção ao Reino. Jesus proclama seus ouvintes um povo feliz, bem-aventurado e lhes promete as alegrias do Reino.

Duas bem-aventuranças (a 1a e a 8a) sintetizam as outras. A 1a é: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus” (v. 3) A 8a é: “Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus”. As outras Bem-aventuranças não são mais do que esclarecimento dessas duas. A promessa da 1a e da 8a é a mesma e é uma constatação diferente: O Reino dos céus é deles (verbo no presente). As outras trazem uma promessa futura (verbo no futuro).

1ª bem-aventurança – “Pobres” são os injustiçados, que depositaram sua confiança em Deus. São considerados pobres em espírito, porque estão abertos para participar do projeto de Deus, que é a construção da nova sociedade, baseada na justiça e na igualdade – isso é o Reino de Deus.

A 8ª bem-aventurança – Tem muito a ver com a primeira, pois os que são perseguidos por causa da justiça são os mesmos pobres em espírito. Eles buscam uma sociedade alternativa, através da partilha e da solidariedade, através da luta pela justiça e de melhores condições de vida para todos. Isto, porém não é tolerado pela sociedade estabelecida, que, sentindo-se ameaçada, parte para a perseguição.

Quem são os pobres e qual é a situação deles?

A 2a, a 3a e a 4a bem-aventuranças vão explicar a 1a e a 8a; vão dizer quem são os pobres. A 2a diz quem são os mansos, os que foram amansados pelos poderosos que até lhes caçaram os direitos; mas eles herdarão a terra. A 3a diz quem são os aflitos – pessoas cativas e aprisionadas vítimas da sociedade cruel e opressora, mas Deus os consolará, libertando-os. A 4a diz quem são os que têm fome e sede de justiça; são aqueles que não podem viver (fome e sede) na atual injustiça. Eles lutam pela sobrevivência. Sua luta é justa e eles serão saciados. Os pobres são, portanto os mansos, os aflitos, os que têm fome e sede de justiça. Sua situação é de extrema miséria, injustiça e opressão.

Qual é a meta dos pobres?

As bem-aventuranças 5a, a 6a e a 7a vão mostrar que os pobres querem construir a nova sociedade. A 5a afirma que os pobres são misericordiosos, são solidários, eles querem colocar tudo em comum. Deus reparte com quem reparte. A 6a afirma que os puros de coração verão a Deus. O coração é a sede das opções profundas. Os pobres são puros de coração, ou seja, suas opções estão em sintonia com o Reino, são íntegros e honestos com os outros. A 7a diz respeito aos que promovem a paz. Paz (=Shalom) é a plenitude dos bens, é exclusão da injustiça, da opressão e da violação dos direitos. Paz aqui é mais social do que pessoal. Serão chamados filhos de Deus os que lutam pelo bem comum, pelo bem estar de todos. O conflito na comunidade aparece na 9a bem-aventurança. Esta última bem-aventurança é diferente das outras. Ela é mais desenvolvida e enquanto as outras são escritas na 3a pessoa, esta está na 2ª pessoa com recomendações diretas aos discípulos. No fundo, ela quer revelar as tensões e conflitos enfrentados pela comunidade do evangelista Mateus.

A comunidade sofria injúrias, perseguições e calúnias, por causa de Cristo. O Evangelista busca em Jesus uma força e um incentivo na caminhada com os 12, quando afirma que ser tudo isso deve ser motivo de alegria e regozijo, pois a recompensa dos perseverantes será grande no céu. Assim também aconteceu com os profetas.

Um adendo que pode ajudar na compreensão das “Bem-aventuranças”.

Muita gente já ficou intrigada com as bem-aventuranças, que declaram felizes ou bem-aventurados aqueles que, normalmente, consideraríamos infelizes, pois são os pobres, os aflitos, os que choram etc. Como explicar isso? Na verdade, Jesus não falou em grego, mas em aramaico que é semelhante ao hebraico. Ele, certamente, seguindo a tradição bíblica, teria usado o termo “ASHRÉI”, que aparece 43 vezes na Bíblia Hebraica. São Mateus traduziu a palavra hebraica “ASHRÉI”, que aparece, por exemplo, nos salmos 1,1 e 119(118), 1-2, segundo a tradução grega, chamada Septuaginta, por “makárioi”, que
significa “Bem-aventurados” ou “felizes”. De onde vem o termo “ASHRÉI”? Vem do radical hebraico “ASHAR”. Este verbo não evoca uma vaga felicidade, mas implica retidão (“YASHAR”) daquela pessoa que marcha no caminho certo em direção ao Reino de Deus. O primeiro sentido do verbo “ASHAR” é marchar; ser feliz; é uma conseqüência de quem marcha com retidão em direção ao Reino. Assim, poderíamos traduzir a palavra “bem-aventurados” ou “Felizes” pela expressão “Em marcha”. Deste modo ficaria: Em marcha os pobres…, em marcha os que choram… em marcha os mansos … etc. . Em marcha para onde? Em marcha no caminho (que é Jesus) em direção ao Reino de Deus. É por isso que eles são felizes. As bem-aventuranças são o retrato de Jesus, que é caminho, verdade e vida. Quem está parado, não faz nada na comunidade, não faz o esforço de caminhar, mas apenas lamenta sua sorte, este é infeliz.

Dom Emanuel Messias de Oliveira
Bispo diocesano de Caratinga