O mundo está saindo do caos do dilúvio destruidor (Gn 6-9). Deus está como que começando uma nova criação. Não haverá mais dilúvio. A narração do dilúvio na Bíblia é inspirada em outras narrações de dilúvios da antiga Babilônia. O dilúvio simboliza a humanidade sufocada pela violência e pelo mal. O que Deus quer é uma vida nova, uma nova forma de vida fundamentada na justiça e na solidariedade. Deus faz uma aliança com toda a humanidade e com toda a criação e promete que não haverá mais dilúvio. Ele promete e assume sozinho este pacto; é a manifestação clara do amor de Deus por todas as suas criaturas. Percebemos neste texto que toda a criação volta para as mãos de Deus. O que Deus quer é a vida de todos e de tudo com harmonia e equilíbrio. É o grande apelo ecológico. O mal, a destruição, a morte não vêm de Deus. Eles têm outra origem. Quem é o responsável?
O arco-íris sempre existiu desde que houve as primeiras chuvas debaixo do sol. Deus, porém, o toma como símbolo da sua aliança com a humanidade toda e toda a criação. Sempre, após a chuva que irriga a terra, Deus mostra o sinal da sua aliança. O arco das cores é símbolo da aliança do Deus da vida com o planeta colorido, onde o Criador coloca o homem e a mulher como uma flor no jardim. A terra é, realmente, em relação aos outros planetas, um jardim de delícias, onde há exuberância de vida. O homem fez o arco para a guerra, Deus retoma o arco como símbolo de paz. O homem e a mulher são os únicos responsáveis pela conservação e melhoramento da vida no planeta. Para isso eles têm a cobertura do Deus da Aliança, do Deus da paz.
Os cristãos da 1Pd vivem momentos difíceis; são migrantes que vivem como estrangeiros sem os direitos de cidadãos, são pessoas simples, marginalizadas e perseguidas. O contexto é uma exortação ao sofrimento por causa da justiça à imitação de Cristo que sofreu sem ter pecado, para a salvação dos pecadores. Para ilustrar e motivar a exortação vem o nosso texto mostrar o que Jesus fez. Em síntese, Jesus, o justo, morreu para remissão dos nossos pecados para nos conduzir a Deus. Ele desceu à mansão dos mortos e ressuscitou, e assentou-se à direita de Deus, assumindo assim seu poder sobre as criaturas visíveis e invisíveis. É o que afirmamos no “Credo”. Nosso texto faz alusão às águas do dilúvio como símbolo do batismo que nos salva. Por meio da arca oito pessoas se salvaram através da água. Nas águas do batismo encontramos a salvação por meio do compromisso de uma vida nova através da morte e ressurreição de Jesus. Complicados no texto são os vv. 19 e 20 que falam da pregação de Cristo aos espíritos em prisão, os que foram incrédulos, enquanto Noé construía a arca. A alusão a “espíritos em prisão” não indica anjos decaídos, mas os homens incrédulos do tempo do dilúvio. Deus foi paciente para com eles. Diante do castigo do dilúvio, eles devem ter-se arrependido, pedido perdão e aceitado a morte como expiação de seus pecados. O episódio quer mostrar que o sacrifício de Cristo não exclui ninguém da possibilidade da salvação; é através dele que todos chegam ao Pai, tanto os que viveram antes, quanto os que vivem e viverão depois dele. Quer dizer, há possibilidade de conversão e salvação para quem quiser. Compete a nós cristãos, através do anúncio e do testemunho, mesmo através do sofrimento, levar esta Boa Notícia da salvação a todos os povos.
Depois do batismo Jesus age pela força do Espírito Santo. O texto diz que o Espírito o impeliu para o deserto. O deserto simboliza o povo de Israel, que não quer acolher Jesus, mas o enche de tentações de todos os tipos. Talvez por isso o evangelista disse: o Espírito “o impeliu para o deserto”, ou seja, o forçou a entrar num mundo de rejeição. “Os quarenta dias” no deserto vão recordar uma série de episódios na vida do povo de Deus. Representa antes de tudo uma geração, ou seja, a vida de Jesus no meio do povo de Israel. Também o povo de Deus passou quarenta anos no deserto em meio às dificuldades e lutas, mas também recebendo inúmeros favores de Deus. Jesus refaz a caminhada do povo de Deus para reconduzi-lo à terra prometida. É a inauguração do novo e definitivo êxodo para uma vida de paz e fraternidade universais (convivência com os anjos).
“Quarenta dias” recordam ainda o tempo do dilúvio. Depois do sofrimento e da morte vai surgir uma humanidade nova como nos ensina a vida de Noé. Moisés também passou “quarenta dias” no deserto do Sinai preparando-se para receber a Aliança de Deus com o seu povo. Jesus igualmente se prepara para nos trazer a Nova Aliança no seu sangue. Também Elias refaz suas forças durante “quarenta dias” no monte Horeb antes das radicais mudanças que ele implantou no Reino do Norte. E as tentações, quais são? Satanás significa o adversário, ou seja, pessoas e sistemas que se opõem ao projeto de Jesus. Por aí a gente pode imaginar que Jesus foi tentado a vida inteira pelo sistema opressor da época, seus líderes e até mesmo por Pedro (cf. 8,32-33). A convivência com as feras lembra que Jesus veio refazer o paraíso perdido por Adão. Veio realizar a profecia de Is 11,1-9 a fraternidade universal. “O serviço dos anjos indica que Jesus é sustentado em sua missão pelo seu próprio Deus e Pai.
Vv. 14-15: Após a morte de João, Jesus anuncia na Galileia dos marginalizados que a espera da libertação chegou ao fim e o reino de Deus está próximo. O reino acontece nos atos libertadores de Jesus. Suas primeiras palavras no evangelho de Marcos são: “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho”. Este é o programa libertador de Jesus. A proximidade do Reino para cada um de nós supõe o arrependimento e fé na Boa Notícia que Jesus está trazendo em sua própria pessoa. Jesus é o Evangelho. Converter é aderir a ele e romper com a ideologia dominante fazedora de famintos e marginalizados.
Dom Emanuel Messias de Oliveira
Administrador Apostólico da diocese de Caratinga
Fonte: Diocese de Caratinga