“O Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 1)”! Com estas palavras do prólogo do Evangelho de São João, temos inaugurado o tempo da graça e da salvação para toda a humanidade. No Verbo que se faz criança está a esperança de todo ser humano, Ele que vem para iluminar a todos (cf. Jo 1, 9). Faz-se necessário, cada vez mais, acolhermos esse grande dom do Pai, aderindo à perene novidade que Jesus vem nos trazer. Diante do grande mistério da Encarnação do Verbo, que vamos celebrar, precisamos a todo instante resgatar o seu sentido autêntico, mergulhando sempre mais no essencial deste momento central da história da salvação.
Quando pensamos no Natal, podemos, contaminados pelas ideologias comerciais ou até mesmos das tradições que a sociedade vai abraçando, esvaziá-lo de seu autêntico sentido. Quando ofuscado em seu mistério de graça e salvação, o Natal é reduzido a um feriado ou a um momento de confraternização com abundância de comida, bebida e troca de presentes. O Natal é muito mais! Natal é a festa da esperança; do amor e da misericórdia de Deus por seu povo! Precisamos resgatar o verdadeiro sentido desta solenidade, redescobrindo seu sentido espiritual, para podermos acolher sempre a sua grandeza e suas graças. O Cardeal Tolentino Mendonça ensina que “para ser verdade, o Natal não pode servir apenas para uma emoção social, para um movimento incessante de compensações, compras e trocas. Para ser verdade, o Natal tem de ser fundo, pessoal, despojado, interpelador, silenciosos, solidário, espiritual (2020, p. 160)”.
Na vida litúrgica da Igreja, o Natal é preparado pelo tempo do Advento (4 semanas) e celebrado até a festa do Batismo do Senhor, recordando os principais acontecimentos da infância de Jesus (A maternidade divina de Maria; a Sagrada Família; a morte dos inocentes; a fuga para o Egito; a Visita dos Magos do Oriente). O tempo santo do Advento é marcado pela alegre expectativa da chegada do Salvador. Recordando a sua primeira vinda, nascendo em nossa carne como também pelo clamor orante dos fiéis pela vinda definitiva do Senhor (parusia), pela qual toda a humanidade será renovada. Revestida de esperança, a Igreja retoma nas profecias do antigo Testamento as promessas do envio do Messias para salvar e libertar o povo de Israel e toda a humanidade. Assim, vê-se a grande necessidade de conversão para preparar o coração para a chegada do Senhor que não somente nos visita, mas vem habitar entre nós. Desta forma, já se compreende que o Natal é mais interior do que exterior. O verdadeiro Natal acontece nos corações que disponíveis se colocam a acolher a salvação. Todos os aparatos exteriores: festas, ornamentações e luzes devem ser expressão da feliz expectativa pela vinda do Salvador, mas não podem ser contemplados como se fossem a essência do Natal. Para compreendermos bem a espiritualidade do Natal precisamos de três atitudes fundamentais: acolhida, humildade e gratidão.
O Natal é autêntico quando Jesus Cristo é acolhido nos corações. O Verbo se encarna no ventre imaculado de Maria para salvar a cada ser humano da condenação do pecado e da morte eterna. E através da sua missão revela-nos o rosto misericordioso do Pai e o Reino para o qual somos chamados a viver. Sem acolhida do Verbo em nossas vidas, sem a permissão para que ele se encarne em nossa existência, sem experienciarmos a força salvadora do Senhor, dificilmente, saberemos o que é o Natal. Sem a nossa adesão, Cristo não nascerá em nós. Ele é a luz que veio para iluminar a todo ser humano, mas nem todos o acolheram (cf. Jo 1, 11). Acolher o Verbo em nós significa termos a mesma disponibilidade de Maria, que diz sim ao projeto de Deus para sua vida. Significa ter a coragem de José em acolher a missão que Deus lhe confiara de na terra ser o guardião do Salvador. Acolher o Verbo, ainda, requer de nós uma constante saída de nós mesmos; requer renúncias as nossas vãs vontades para abraçar o querer de Deus. Significa, por fim, o acolhermos em todos os modos de sua presença entre nós: na Eucaristia, na Palavra e nos irmãos e irmãs, especialmente os mais pobres.
Outra atitude fundamental para que o Natal aconteça em nós é a humildade. Sem essa disposição do coração, que nos faz conscientes de quem somos e o tanto que de Deus precisamos, não vivenciaremos a riqueza deste tempo da graça. A humildade é a porta pela qual acessamos o coração do Natal. Porque é revestido de humildade que o Senhor vem a nós! Ele, o Todo-poderoso, se “reveste da nossa humanidade (cf. Fl 2, 7)”, escolhe o caminho da simplicidade e não o do espetáculo para vir a nós. O nascimento de Jesus se dá num local de extrema pobreza: o presépio (estábulo), porque não havia lugar na hospedaria (Lc 2, 7). Desde o início, Jesus Cristo já anuncia que o seu caminho é da humildade e da pequenez. Somente despidos de nossas vaidades, orgulhos, disputas por poder, ganâncias e ambições desmedidas seremos capazes de experimentar o verdadeiro Natal. Neste sentido, perdemos toda a força renovadora de Belém quando não reconhecemos nossas misérias e as apresentamos ao Senhor.
A terceira atitude necessária para que o Natal seja vivido em sua profundidade é a gratidão. O Natal revela o infinito amor de Deus por nós, que mesmo diante das constantes infidelidades de seu povo não deixa de amá-lo e de querer a sua salvação para que assim possa retornar de todo coração a Ele! É Deus quem nos dá o verdadeiro e melhor presente que é o seu único Filho: Jesus Cristo, “de sua plenitude todos nós recebemos, e graça sobre graça” (Jo 1, 17). Quando nos colocamos diante desta realidade não podemos permanecer insensíveis, indiferentes, somos impulsionados ao amor. Como cantamos no “Adestes Fidelis”: “tanto amou-nos, quem não há de amá-lo?” Cada um precisa reconhecer e com o coração agradecido exclamar: “É por mim, para minha salvação que o Verbo se fez carne!” Na experiência pessoal da gratidão, funde-se o encontro de Deus com sua criatura e aí acontece a salvação. Deste modo, despertemo-nos, pois, para a acolhida de toda a revelação proclamada por Jesus Cristo. Que saibamos sempre agradecer o amor, a misericórdia, a ternura, a compaixão, a solidariedade de Deus para nós manifestada naquela pequenina criança que “chora entre as palhas”. Diante da gratidão nasce um compromisso de fidelidade, de abraçar o caminho novo apresentado por Jesus, na constante atenção a sua Palavra, no nosso seguimento de discípulos-missionários.
Com efeito, trazendo essas três atitudes interiores, seremos capazes de viver o Natal em seu mistério e importância para a vida cristã. A Igreja como mãe e mestra nos ajuda a viver intensamente esse tempo de graça e alegria. Somos convidados a nos preparar para a festa da Salvação, primeiramente pela participação ativa na Liturgia, nas Celebrações Eucarísticas no tempo do Advento e do Natal, realizando a Leitura orante da Palavra de Deus que nos conduzirá passo a passo a Solenidade do Nascimento do Senhor; por meio de uma consciente celebração do sacramento da Reconciliação. Em nossa Arquidiocese uma forma privilegiada é a Novena de Natal, preparada com tanto esmero e dedicação para auxiliar as comunidades e famílias a fim de celebrarem o nascimento de Jesus. Precisamos renovar em nossas famílias esta oportunidade orante e reflexiva para de fato vivermos o autêntico Natal. Outro elemento muito próprio do Natal é que precisamos sempre recorrer ao presépio, que nos recorda o local, o modo do nascimento de Jesus, excelente meio catequético para as crianças, os jovens e para todos recordarem e também se colocarem aí com Maria, José, os pastores, os magos e adorar o Senhor que vem para nos salvar.
Portanto, o sentido espiritual do Natal ocupa o coração da vida cristã. Além disso, marca o início de um novo tempo, o cumprimento de todas a promessas de Deus. E, como bem sabemos, não se trata de mais um Natal, mas é o Natal! É no hoje de nossa existência que Jesus nasce e atualiza todo o mistério de vida e salvação. Oxalá o nosso coração, nossa vida estejam bem-dispostos e preparados para acolhermos o Senhor na humildade e gratidão. Que o natal seja, de fato, de Jesus em nossa humanidade e que a sua luz brilhe em meio às trevas de nossa vida, família, comunidade, Igreja, sociedade e mundo. Alegremo-nos: “O Verbo se fez carne e vive entre nós”! “Fixemo-nos no centro: deixemos para trás luzes e decorações – que são belas – e contemplemos o Menino. Na sua pequenez, está Deus inteiro. A Palavra eterna é infante, isto é, incapaz de falar. O Pão da vida tem de ser nutrido. O criador do mundo não tem onde morar. Hoje inverte-se tudo: Deus vem, pequenino, ao mundo. A sua grandeza oferece-se na pequenez” (Papa Francisco – Homilia de Natal 2021). Deste modo, vivamos na fé e na alegria o Natal do Senhor, a fim de que ele não seja mais um feriado ou mero dia de festa, mas seja, de fato, graça de Deus para todos nós, dia de vida e salvação e se estenda por todos os dias de nossa existência, iluminando a vida de todos que de nós se aproximarem!
Texto: Padre Lucas Muniz Alberto
Arte: Jonas Reis
Fonte integral: Arquidiocese de Mariana