Estamos diante de uma grande prova de fé. Uma fé vivida no silêncio. Confiança sim, mas talvez mais do que confiança, a fé é uma entrega. Deus tirou o chão dos pés de Abraão e, mesmo assim, ele continuou a acreditar. Prometeu-lhe longa descendência e pede-lhe o único e possível (!) herdeiro em sacrifício. A essa altura encheríamos Deus de perguntas; arriscaríamos até blasfêmias, pois muitos o fazem por razões menores. Abraão silencia-se e prepara a oferta. É a grande prova. Por trás do texto está a rejeição por parte de Israel dos sacrifícios humanos (crianças principalmente) dos cultos cananeus. O texto quer mostrar que Deus não quer sacrifícios humanos.
Em silêncio doloroso Abraão prepara a entrega total. Entregar o filho único é entregar tudo, todo o futuro. É quase devolver a Deus tudo o que Deus prometeu. Mas Abraão conservou a fé na providência de Deus. Quando Isaac pergunta sobre a vítima do sacrifício, Abraão responde: “Deus providenciará”. No momento do sacrifício, Abraão revela o trágico desígnio de Deus. A vítima será seu próprio e único filho Isaac, o filho da promessa! Isaac aceita, obediente. Coração estraçalhado do pai e do filho. Rasgos de obediência e de fé inefáveis. Momentos de dor, uma mistura de aceitação e agonia. Caberia bem uma pergunta naquele momento. Só uma: Será que Deus não vai intervir? É isso mesmo que ele quer? Mas a grandeza da fé do grande patriarca o faz engolir seco as razoáveis perguntas naquele momento fatal e fúnebre. Abraão não reserva para si nada. Esvaziou-se até mesmo de perguntas. Entregou tudo.
Exatamente neste momento Deus intervém. Abraão superou a grande prova. Isaac é substituído por um cordeiro. É isso que a lei mosaica exigia para o resgate do primogênito. Deus recompensa a grande fé do patriarca: abundância de bênçãos, descendência numerosa. “Por tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra, porque tu me obedeceste”. Jesus Cristo, descendente de Abraão, é bênção de Deus para todos os povos. O sacrifício de Isaac é prefiguração do sacrifício de Cristo.
O capítulo 8º da carta aos Romanos fala da vida cristã no Espírito. “A lei do Espírito da vida em Jesus Cristo te libertou da lei do pecado e da morte”. Começa assim o capítulo 8º trazendo-nos um profundo conforto espiritual e animando a nossa esperança de continuar na luta contra tudo que conduz à morte. Nossa certeza, nossa confiança, nossa esperança se fundamentam no amor de Deus. É o que vai dizer o nosso texto: “Se Deus é por nós quem poderia ser contra nós”. Paulo está contemplando extasiado a grandeza do amor de Deus e manifestando a sua estupenda confiança no modo de Deus agir em favor de nós. Recordando o sacrifício de Isaac (Gn 22,6), como expressão máxima da generosidade de Abraão, afirma que se Deus não poupou nem seu próprio Filho, o que ele deixaria de fazer por nós? A medida de seu amor por nós é um amor sem medida. Paulo pergunta, retoricamente, quem acusará os eleitos de Deus? Eleitos são todos aqueles que recebem o dom de Deus, são os cristãos que estão tentando corresponder à sua vocação. É claro que os eleitos de Deus têm quem os acusa. Só que estes estão perdendo tempo. Se Deus os declara justos, quem os condenará? O único que teria autoridade para isso seria Jesus Cristo. Ele nos acusaria? Por nós ele deu a vida, por nós ele ressuscitou. Ele está sentado à direita de Deus para interceder por nós. Podemos caminhar tranquilos: Se Deus é por nós, quem será contra nós?
A transfiguração é um oásis para a sede dos discípulos. Os discípulos acompanham Jesus e percebem que o povo não o entende. Nem eles o entendem. Só em 8,29 Pedro, em nome dos discípulos, consegue dizer: “Tu és o Cristo”. Mas isto não estava significando ainda muita coisa para Pedro, pois, logo em seguida, Jesus o repreende severamente chamando-o de satanás, adversário do projeto de Deus. Palavras duras! Agora, Jesus os consola. Ele escolhe os três mais difíceis para subir o monte com ele. Jesus investe mais em Pedro, Tiago e João. Eles precisam mais. Jesus se transfigura. A brancura e o esplendor das vestes vão indicar a vitória de Jesus sobre o mal e a morte. É uma amostra antecipada da sua ressurreição gloriosa. Moisés representa a Lei. Representa a libertação do Egito. A palavra de Jesus vai substituir a autoridade da lei. A entrega total de Jesus vai trazer a libertação definitiva. Elias é o representante dos profetas, o restaurador do javismo (fé em “Javé”, o Senhor). Foi Elias que libertou o povo da idolatria que gera opressão. Moisés e Elias (a Lei e os Profetas) sintetizam todo o Primeiro Testamento, mostrando que o que vale agora é o Segundo Testamento em Jesus. Pedro quer fazer três tendas lá em cima. O povo lá embaixo comemorava a festa das Tendas, que lembrava a caminhada do deserto e esperava o Messias libertador. Mal sabiam que o Libertador estava lá em cima do monte! Pedro esquece da caminhada e da luta do povo. Lá em cima ele está tão bem que até esquece de si e de seus companheiros. As tendas são para perpetuar a visão de Moisés, Elias e Jesus. Mas ele não sabe o que fala. O evangelista faz questão de salientar a ignorância dos discípulos em todo o evangelho. A nuvem é a presença divina. A voz vem do Pai para mostrar que a autoridade compete a partir de agora não mais a Moisés nem a Elias, mas ao Filho amado. É a ele que todos devem ouvir daqui para frente. Mais uma vez o evangelista responde à pergunta: Quem é Jesus?
Dom Emanuel Messias de Oliveira
Administrador Apostólico da diocese de Caratinga